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Lugar de Fala e Cancelamento: O Ocidente que censura o Ocidente

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Por Babel Hajjar
O conceito de lugar de fala, de acordo com a análise do discurso da linha francesa(1), entende a expressão do indivíduo como uma expressão de seu momento histórico e de sua realidade social. É aquele sujeito daquele lugar e tempo que está a expressar sua ideia, e sua ideia deve ser compreendida por esse recorte.
Quando o discurso é midiático, contudo, ainda que a ideia de discurso de um certo alguém com um certo recorte se mantenha, a edição faz um trabalho de moldar esse discurso, quase como uma curadoria. Por exemplo, Van Gogh pintou sobre muitas coisas. Uma exposição de Van Gogh pode, pelas mãos de seus curadores, decidir mostrar apenas os quadros de Van Gogh que retratam natureza, ou mulheres, ou a cor vermelha. A edição é uma curadoria. Ela interfere no discurso, ou na forma como este será compreendido. A editoria dá um contexto que nem sempre se observa no discurso puro.
Qualquer editoria, de qualquer jornal, seja este privado ou público, faz isso.
A propriedade da midia, segundo Noam Chomsky(2), não define a priori uma interferência na linha editorial, ainda que possa e vá em algum momento fazê-lo. Mas é a escolha de editores alinhados com a visão do veículo que garantirá que a linha editorial adotada faça o recorte necessário à visão da corporação midiática. Jornalistas e editores também expressam-se conforme seu lugar de fala. Alguém muito progressista talvez não tenha lugar em uma publicação conservadora, salvo exceções cuidadosamente escolhidas para fins especificos.
Quando governos ocidentais rompem o próprio pacto de “liberdade de imprensa”, proibindo o seu público de acessar informações da mídia russa, eles estão exercendo um poder de censor. Não há outro nome para isso. Alegadamente, nada do que saia publicado nessas mídias pode conter visões da realidade ou percepções diferentes da ocidental que interessem ao discurso ocidental. Não é edição, não é curadoria: é a negação do discurso do outro, é a cooptacção do lugar de fala do inimigo E do lugar de ouvinte de seu próprio público. Ainda que se imagine Putin alterando pessoalmente e diariamente o teor das notícias do Rússia Today, quem já se dignou a assistir essa TV deve ter percebido que a programação não é feita apenas de russos e para russos. Boa parte dos programas discute diferentes pontos de vista sobre uma questão, e a política de fato está presente em muitos deles. Ingleses, estadunidenses e muitas outras nacionalidades estão presentes na programação em bases regulares. Declarações importantíssimas da condução de negociações estão sendo simplesmente tiradas da vista do público ocidental, que precisa a todo custo firmar a imagem do monstro na figura da Rússia e de Putin. Não é só de Putin, os russos civis estão sendo cancelados e discriminados em muitos lugares.
O Lugar de Fala de muitos russos e de pessoas que não pensam como a maioria do Ocidente sobre a crise ucraniana está sendo cancelado. Mas o seu lugar de ouvinte está sob censura severa no ocidente, impedindo-o de ter acesso às informações que o apoiariam a chegar às próprias conclusões .
1. Cestari, C., Borim-de-Souza, R., Santos, J. (2021). O que o lugar de fala quer dizer: (des)construções Bourdiesianas. R. Liceu On-line, São Paulo, , v. 11, n. 1, p. 29-47, Jan/Jun 2021. Acessado em 08/03/2022 de https://liceu.fecap.br/LICEU_ON-LINE/article/view/1856.
2. Herman, E. S., & Chomsky, N. (1988). Manufacturing consent: The political economy of the mass media. New York: Pantheon Books.
Babel Hajjar fez mestrado em Mudança Social e Participação Política pela EACH – USP, onde pesquisou como a mídia gobal retratou a Guerra na Síria.

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